Pastoral
(Domingo,
Dois Cachorros e um Problema Social
Teria trinta anos? Talvez! Era negra, catadora de papel e tinha um cachorrinho magro amarrado à carrocinha estacionada ao lado da calçada. Em sentido contrário, lá vem uma dama de casta visivelmente mais elevada, passeando com o seu cachorro enorme, bonito, asseado, penteado e com um focinho que traduzia saúde. Os irracionais se vêem e fazem festa e esforço para se tocarem. Madame tem agora um dilema: deixar que seu cachorro de Primeiro Mundo entre em contato com a miséria que se esparrama pela calçada ou puxar fortemente a coleira e fingir que não há ninguém ali. O instinto vence, e os dois irracionais se cheiram prazerosamente, indiferentes à gangorra social dos homens, que põe alguns lá em cima e prende outros lá embaixo. Madame vira o rosto para não ver aquilo, ao mesmo tempo em que permite que seu bichinho tenha essa alegria animal. Mas madame não dirige a palavra à outra. Há um abismo invisível entre elas, que, aliás, nem é tão invisível assim. Para muitos, além de invisível, o abismo é também intransponível. Custava olhar para a pobre mulher e dizer "bom dia", ou perguntar o nome do cachorro magro? Até porque, a outra não estava ali roubando, estava trabalhando, recolhendo o melhor do lixo de madame.
Não, não estamos na Índia retalhada por um absurdo sistema de castas. A cena passa-se na Tijuca, em outubro de 2008, na mesma praça onde fica o templo da Igreja Itacuruçá. A presença da igreja nesse cenário pode não ser casual. É, antes, um lembrete de que a pregação do evangelho representa a esperança de ver, no Brasil, negros e brancos se abraçando, pobres e ricos se ajudando, conversando, produzindo uma atmosfera de respeito e comunhão. Se o evangelho falhar, "para quem iremos nós?"
Pr. João Soares da Fonseca - Pr. Da Primeira Igreja Batista do Rio de Janeiro
jsfonseca@pibrj.org.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário